Carlos, o malaguenho!
Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br
O feriado e a semana-santa exigem assunto mais leve e ameno. Abril de 2000: ainda não havia o euro, o dólar barato e as economias acumuladas por um bom tempo permitiram uma viagem de duas semanas a três países europeus. Não precisam desistir da leitura. O que vou contar está muito para além de história pessoal. Por incrível que possa parecer, a rede (internet) ainda não tinha a força que tem hoje. Só para lembrar o site de busca Google ainda não existia. Mesmo assim marquei toda a viagem por ela e também os vôos, hotéis e até táxi de translado.
Uma única exceção foi em Málaga no sul da Espanha. Havia conhecido alguns meses antes um espanhol através de sua militância na ong chamada “Engenharia sem Fronteiras” (Ingenieria Sin Fronteras). Carlos era o seu nome. Havia visitado o Brasil como concludente do curso de engenharia na Universidade de Málaga e era oriundo de outra região no interior e ao norte de Madri.
Através das correspondências por e-mail, Carlos disse que não havia motivos para preocupação e que o hotel ou pousada em Málaga ele mesmo reservava. Como combinado nos aguardou no aeroporto. Disse que tinha uma notícia ruim, a de que havia se esquecido que era semana-santa e quando se lembrou, viu que todos os estabelecimentos já estavam lotados.
Com um sorriso de quem já é íntimo ofereceu o apartamento onde morava com uma irmã e amigos que estava vazio e poderia nos hospedar durante os três dias. Até aí não haveria nenhum problema se eu estivesse só e não acompanhado de mais três mulheres, minha esposa, mãe e tia. Não conhecia o Carlos além de alguns contatos por e-mail. Ao chegar ao seu apartamento fomos surpreendidos por um feijão brasileiro preparado pelo próprio.
Confesso que tive receios quando depois do almoço ele nos deu uma cópia da chave do apartamento e mais um folder turístico da cidade. Disse que não iria nos acompanhar, pois tinha trabalhos e pesquisas da universidade a realizar. Cheguei a me ver perdido e enganado na Europa e no quanto seria ridicularizado por ter caído numa história simplória como essa; enfim...
Com apoio de Carlos passamos três grandes dias em Málaga. Ele ainda nos aconselhou a reservar um dia inteiro para saborear a bela Granada. Novamente pensei, será agora? Pois bem, no quarto dia ao nos acompanhar à estação rodoviária de Málaga onde seguiríamos para Sevilla, insistimos com o Carlos para lhes deixar uma quantia que o ajudasse na manutenção das despesas, já que ele era filho de família simples e que vivia com dinheiro apertado. Recusou por diversas vezes e na derradeira nos solicitou que buscássemos uma família humilde no Brasil e lhes fornecesse a quantia que entendia que lhe era devida. Nunca mais consegui contato com o Carlos.
A exposição desta história, seis anos depois, em mais uma semana-santa, quer só lembrar que apesar das falcatruas de muitos, não podemos julgar o restante do mundo por eles. Num gesto pouco comum a europeus, Carlos nos mostrou que não é uma boa medida desconfiar de tudo e todos em função da minoria. Boa Páscoa!
Publicado na Folha da Manhã de 13 de abril de 2006.
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br
O feriado e a semana-santa exigem assunto mais leve e ameno. Abril de 2000: ainda não havia o euro, o dólar barato e as economias acumuladas por um bom tempo permitiram uma viagem de duas semanas a três países europeus. Não precisam desistir da leitura. O que vou contar está muito para além de história pessoal. Por incrível que possa parecer, a rede (internet) ainda não tinha a força que tem hoje. Só para lembrar o site de busca Google ainda não existia. Mesmo assim marquei toda a viagem por ela e também os vôos, hotéis e até táxi de translado.
Uma única exceção foi em Málaga no sul da Espanha. Havia conhecido alguns meses antes um espanhol através de sua militância na ong chamada “Engenharia sem Fronteiras” (Ingenieria Sin Fronteras). Carlos era o seu nome. Havia visitado o Brasil como concludente do curso de engenharia na Universidade de Málaga e era oriundo de outra região no interior e ao norte de Madri.
Através das correspondências por e-mail, Carlos disse que não havia motivos para preocupação e que o hotel ou pousada em Málaga ele mesmo reservava. Como combinado nos aguardou no aeroporto. Disse que tinha uma notícia ruim, a de que havia se esquecido que era semana-santa e quando se lembrou, viu que todos os estabelecimentos já estavam lotados.
Com um sorriso de quem já é íntimo ofereceu o apartamento onde morava com uma irmã e amigos que estava vazio e poderia nos hospedar durante os três dias. Até aí não haveria nenhum problema se eu estivesse só e não acompanhado de mais três mulheres, minha esposa, mãe e tia. Não conhecia o Carlos além de alguns contatos por e-mail. Ao chegar ao seu apartamento fomos surpreendidos por um feijão brasileiro preparado pelo próprio.
Confesso que tive receios quando depois do almoço ele nos deu uma cópia da chave do apartamento e mais um folder turístico da cidade. Disse que não iria nos acompanhar, pois tinha trabalhos e pesquisas da universidade a realizar. Cheguei a me ver perdido e enganado na Europa e no quanto seria ridicularizado por ter caído numa história simplória como essa; enfim...
Com apoio de Carlos passamos três grandes dias em Málaga. Ele ainda nos aconselhou a reservar um dia inteiro para saborear a bela Granada. Novamente pensei, será agora? Pois bem, no quarto dia ao nos acompanhar à estação rodoviária de Málaga onde seguiríamos para Sevilla, insistimos com o Carlos para lhes deixar uma quantia que o ajudasse na manutenção das despesas, já que ele era filho de família simples e que vivia com dinheiro apertado. Recusou por diversas vezes e na derradeira nos solicitou que buscássemos uma família humilde no Brasil e lhes fornecesse a quantia que entendia que lhe era devida. Nunca mais consegui contato com o Carlos.
A exposição desta história, seis anos depois, em mais uma semana-santa, quer só lembrar que apesar das falcatruas de muitos, não podemos julgar o restante do mundo por eles. Num gesto pouco comum a europeus, Carlos nos mostrou que não é uma boa medida desconfiar de tudo e todos em função da minoria. Boa Páscoa!
Publicado na Folha da Manhã de 13 de abril de 2006.
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