Assim é a política!
Professor do Cefet Campos
e-mail: moraes.rol@terra.com.br
Assim é a política: horizontes de sonhos para o qual se caminha ao peso de bolas de ferro presas ao tornozelo. Não há rotas lineares; são todas labirínticas, acidentadas. Em cada curva, uma surpresa, obrigando o viajante a mudar o ritmo e refazer o mapa. Nas costas, a sacola atulhada de vaidades instransponíveis, maledicências, frituras e bajulações desmedidas.
Assim é a política: enfatiza o interesse público no discurso, mas o orador tende a pensar primeiro em seu alpinismo rumo ao cume do poder. Como a escalada é longa, difícil e perigosa, aprende a fazer concessões, abrir mão de princípios, enveredar por atalhos suspeitos, reinterpretar suas antigas convicções, desde que não retroceda.
Assim é a política: dança em que cada bailarino escuta um ritmo diferente; orquestra em que cada instrumento toca uma música distinta; coro em que cada cantor entoa segundo sua própria conveniência. A política é o resultado da sociedade que a produz e, em seu espelho, reflete todas as contradições.
Assim é a política: entre tanto esterco, um diamante lapidado, um administrador eticamente ousado, um parlamentar disposto a perder o mandato, mas não a moral. Mas nela há também lugar para o jogo de cena, a mentira deslavada, as lágrimas de crocodilo. A política é uma senhora sisuda que se julga bela e sedutora, acima de qualquer juízo. Irrita-se quando a criticam. Odeia cobranças. Mas mendiga, em cada esquina, reconhecimento e elogios. Alimenta-se da mesma ração de Narciso.
Assim é a política: igreja em que todos se julgam com vocação para papa; seita em que todos se acham profetas; púlpito em que todos proferem vaticínios. Mas onde as palavras tardam em se transformar em atos e as idéias e projetos, em realizações.
Assim é política: contraria as leis da física, nela dois corpos ocupam o mesmo espaço e o quente é frio e o frio é quente. E também de geometria, pois duas paralelas se encontram bem antes do infinito. O que atrai hoje, amanhã repele; o que agora próxima, depois distancia. E toda vez que o sol sobe, todas as estrelas vão atrás. Insaciadas com o brilho próprio procuram, com a Lua, também refletir o dele.
Os parágrafos acima são de Frei Beto. Retirei-os do penúltimo capítulo do seu mais recente livro: A mosca azul. Intitulei o artigo com o chavão que dá arma ao texto: Assim é a política! Ele é para mim um verdadeiro libelo sobre a política e os políticos. Admiro a sua crença e a sua opção pelos pobres e quase na mesma medida, desdenho a sua ingenuidade para com o chamado movimento popular e as entidades da sociedade civil. Tudo isso, porém, não invalida, muito pelo contrário, reforça minha admiração pelas suas análises e reflexões a respeito do papel da política como o único instrumento de transformação da realidade social em qualquer parte do planeta.
Publicado na Folha da Manhã de 12 de maio de 2006.
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