Mundo de contra-cabeça
Roberto Moraes Pessanha
Professor do Cefet Campos
e-mail: rmoraes@cefetcampos.br
A gente vai vivendo aos pouquinhos e não se dá conta de que o mundo virou de contra-cabeça. Mata-se criancinhas em nome do combate ao terrorismo. Inventa-se uma guerra porque um louco, dono de um país que tem muito petróleo, armazenaria armas para possíveis atentados.
Na tecnologia a coisa ainda é mais estranha: agora se fala por telefone sem fio para o qual inventaram o nome de celular e por outro lado, vê-se televisão, que antes era sem fio, através do cabo. Pergunta-se pelo telefone se o interlocutor viu a mensagem que mandou pela rede do orkut. Compra-se por telefone o que se vê na televisão, que antes servia apenas de veículo de propaganda.
Antes se comprava disco para ouvir música, hoje, se faz música, ouve-se, grava-se, divulga-se e vende-se música sem sair de casa. Uma bossa-nova que antes era chique de se ouvir na vitrola num canto da sala, hoje é mais apreciada no Japão e no oriente que em nosso país.
Ambulância que socorria doente, hoje socorre as campanhas eleitorais dos políticos. Come-se a quilo o que antes era aquilo. Petróleo se acha mais no mar do que em terra. Casa sem muro em espaços cercados de muros e com o nome de condomínio é coqueluche que, como outras doenças sumidas, reapareceram. Carro é quase um caminhão e trator virou carro, até com ar condicionado.
Em Campos tem-se quase um assassinato por dia, quando antes era por mês e antes ainda, por ano. O dinheiro que antes faltava e era problema, hoje sobra e é esbanjado e continua a ser problema. Tem mais faculdade que gente letrada. Tem mais médico do que gente sã. Plantam-se mais votos do que cana. Açúcar vale menos que álcool. Gás que antes servia para a cozinha serve para o carro e a cozinha dispensa o gás para ficar com o microondas que consome energia elétrica que hoje é mais cara que o aluguel da casa ou do apartamento.
Planta-se para colher combustível e combustível serve para fazer alimentos. Justiça para brigar ao invés de luta para fazer justiça. Ong para arrecadar, ao invés de voluntariar. A descentralização das políticas públicas, que antes era uma defesa quase unânime para o aumento da eficiência, agora, na educação, um de seus maiores defensores, ao inverso, quer a sua federalização.
Coleta-se células-tronco do cordão umbilical para resolução de futuros problemas de saúde dos ricos, que querem cada vez viver mais, enquanto os pobres morrem sem células e sem comida. O mundo da cultura se misturou com a religião. Atores como Darlene Glória e Jece Valadão que viraram evangélicos, agora voltaram aos seus ofícios sem testemunhos.
Cada vez mais se trabalha em casa e diverte-se no trabalho. Compram-se mercadorias com plástico, sem intermediários e sem dinheiro, pelo computador enquanto, o pobre continua de contra-cabeça, sem nenhuma mudança. Não há como não recordar o poeta Raul Seixas que por muito menos já vociferava: pára o mundo que eu quero descer!
Publicado na Folha da Manhã em 15 de setembro de 2006.
Professor do Cefet Campos
e-mail: rmoraes@cefetcampos.br
A gente vai vivendo aos pouquinhos e não se dá conta de que o mundo virou de contra-cabeça. Mata-se criancinhas em nome do combate ao terrorismo. Inventa-se uma guerra porque um louco, dono de um país que tem muito petróleo, armazenaria armas para possíveis atentados.
Na tecnologia a coisa ainda é mais estranha: agora se fala por telefone sem fio para o qual inventaram o nome de celular e por outro lado, vê-se televisão, que antes era sem fio, através do cabo. Pergunta-se pelo telefone se o interlocutor viu a mensagem que mandou pela rede do orkut. Compra-se por telefone o que se vê na televisão, que antes servia apenas de veículo de propaganda.
Antes se comprava disco para ouvir música, hoje, se faz música, ouve-se, grava-se, divulga-se e vende-se música sem sair de casa. Uma bossa-nova que antes era chique de se ouvir na vitrola num canto da sala, hoje é mais apreciada no Japão e no oriente que em nosso país.
Ambulância que socorria doente, hoje socorre as campanhas eleitorais dos políticos. Come-se a quilo o que antes era aquilo. Petróleo se acha mais no mar do que em terra. Casa sem muro em espaços cercados de muros e com o nome de condomínio é coqueluche que, como outras doenças sumidas, reapareceram. Carro é quase um caminhão e trator virou carro, até com ar condicionado.
Em Campos tem-se quase um assassinato por dia, quando antes era por mês e antes ainda, por ano. O dinheiro que antes faltava e era problema, hoje sobra e é esbanjado e continua a ser problema. Tem mais faculdade que gente letrada. Tem mais médico do que gente sã. Plantam-se mais votos do que cana. Açúcar vale menos que álcool. Gás que antes servia para a cozinha serve para o carro e a cozinha dispensa o gás para ficar com o microondas que consome energia elétrica que hoje é mais cara que o aluguel da casa ou do apartamento.
Planta-se para colher combustível e combustível serve para fazer alimentos. Justiça para brigar ao invés de luta para fazer justiça. Ong para arrecadar, ao invés de voluntariar. A descentralização das políticas públicas, que antes era uma defesa quase unânime para o aumento da eficiência, agora, na educação, um de seus maiores defensores, ao inverso, quer a sua federalização.
Coleta-se células-tronco do cordão umbilical para resolução de futuros problemas de saúde dos ricos, que querem cada vez viver mais, enquanto os pobres morrem sem células e sem comida. O mundo da cultura se misturou com a religião. Atores como Darlene Glória e Jece Valadão que viraram evangélicos, agora voltaram aos seus ofícios sem testemunhos.
Cada vez mais se trabalha em casa e diverte-se no trabalho. Compram-se mercadorias com plástico, sem intermediários e sem dinheiro, pelo computador enquanto, o pobre continua de contra-cabeça, sem nenhuma mudança. Não há como não recordar o poeta Raul Seixas que por muito menos já vociferava: pára o mundo que eu quero descer!
Publicado na Folha da Manhã em 15 de setembro de 2006.
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